sábado, 21 de abril de 2012

LIbertas Qae Sera Tamen

(Texto que escrevi há mais de uma década...) Quem não se emociona quando lê (o que raramente acontece) a história dos Inconfidentes? “Liberdade ainda que tardia” era o seu lema. Vemos então figuras como o Alferes da Cavalaria Real Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, o desembargador e poeta Tomaz Antônio Gonzaga, o advogado e poeta Cláudio Manuel da Costa, o Coronel José Inácio de Alvarenga Peixoto, José Álvares Maciel e os padres Rolim e Toledo, entre outros. Homens que lutaram pelo ideal de liberdade. Dentre os mais conhecidos, vemos a figura de Tiradentes que, preso e julgado pelo Estado, foi enforcado, esquartejado, degolado, e seus restos mortais expostos em praça pública, como um alerta a novos “arautos da liberdade”. Essa história, tal como acontece com as fábulas infantis, caem logo no esquecimento. Anos e séculos passam e vemos novos movimentos em busca da tão almejada “liberdade”. Vemos a Independência e a proclamação da República. Vemos o Estado repressor na figura do Governo Militar, e os novos “Tiradentes”, exilados e “desaparecidos” que se levantaram contra o “Estado”. Passa o tempo e o “Sol da Liberdade em raios fúlgidos” brilha novamente com o advento da “Democracia”. “Diretas Já”, ganha Tancredo, morre Tancredo, ganha Collor, cai Collor, ganha FHC, ganha FHC, e tudo parece ter, finalmente, encontrado um ponto de equilíbrio mínimo. A liberdade, aquela liberdade lema dos Inconfidentes, parece finalmente ter sido alcançada. Então, numa bela manhã do novo milênio, eu, gozando da minha “liberdade”, leio a seguinte manchete: “Pedreiro libertado pela Justiça prefere ficar na prisão”. A notícia ironicamente fala de um Inácio, de um Silva, igual aos Inconfidentes. Trata-se do ex-servente de pedreiro Alírio Inácio da Silva, condenado à prisão pelo “Estado” por haver matado um homem que lhe devia R$ 35,00. Imediatamente lembrei do ideal de Liberdade por tantos e por tanto tempo perseguido. Inevitável reflexão sacudiu meus pensamentos. “Libertas quae sera tamen”. Liberdade ainda que tardia. O novo Inácio foi condenado pelo Estado a uma pena de seis anos de detenção. Por apresentar, desde o primeiro dia de cumprimento da pena, conduta exemplar, conquistou a simpatia e respeito de todos. Colegas de prisão, policiais e até o delegado aprenderam a gostar do condenado. Isso rendeu-lhe o decreto de soltura e liberdade condicional proferido pelo juiz da comarca. Diferentemente do Silva esquartejado e degolado pelo Estado, esse Silva foi libertado após cumprir um terço da pena de detenção. Mas preferiu ficar preso. Sem “Liberdade”. A sua “Liberdade” já é “tardia”. Simples, pobre e ex-presidiário, o Silva sabe que não existe mais lugar para ele entre nós. Ele já foi esquartejado, degolado e exposto em praça pública perante todos os “homens de bem” da sociedade. Resta enterrá-lo. Por conhecer bem a sua “sentença”, o Silva do novo milênio solicitou ao juiz que decretou a sua “liberdade” que o mantivesse “preso”. Para ele, a única chance de ter o seus direitos de “cidadão”, de “ser humano” respeitados e garantidos na sociedade é permanecendo atrás das grades da prisão, onde terá trabalho, comida e teto. Resta a questão: por seu erro, esse homem cumpriu a pena que o Estado considerou justa. Mas ele sabe que a pena imposta pela sociedade será muito mais dura e cruel que a prisão. E qual será a pena aplicável e justa à sociedade por não oferecer a mínima condição de reintegração àqueles que já conquistaram seu direito à liberdade? Percebo, então, que o ideal de liberdade há tanto tempo perseguido ainda está longe de ser alcançado. As prisões da indiferença e do preconceito possuem grades mais poderosas que aquelas que “prendem” o Silva. Para essas, não existe liberdade.

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